Há algum tempo eu penso em escrever as memórias de nosso cãozinho, mas fui adiando, tomada por outros compromissos. Mas ainda é tempo, tempo de lembrar de muitas histórias, tempo de lhe fazer esta singela homenagem.
E foi de forma dramática que tudo ocorreu, tudo o que me fez sentar aqui e recontar: dois imensos cães jovens; uma moça desesperada; uma cirurgia de emergência; dias de intensa expectativa, entre a vida e a morte.
Mas esta é uma outra história, talvez seja melhor iniciar por onde tudo começou.

sábado, 10 de maio de 2014

Uma nova vida para Woody



De uma forma que os cães entendem, e que nós entendemos que os cães entendem, Woody entendeu que era meu filho, e que desta forma era irmão daquelas crianças, com todos os direitos que elas tinham, e com bem menos obrigações que elas. Eu entendi tudo perfeitamente e assumi meu papel de mãe de um filho canino.

Woody crescia rapidamente. As meninas limpavam sua sujeira, davam lhe banho, colocavam comida e água para ele, e também o levavam para passear sempre que podiam. É claro que eu as ajudava em todas as tarefas, mas fazia parte do trato "projeto cãozinho" que elas se responsabilizassem em todos os cuidados.

O outro irmão, naquele momento não assumiu obrigações, pois tudo o que queria era um companheiro para lutas, e o encontrou em Woody. Com sua espada de plástico desferia golpes mortais no ar, acompanhados de gritos apropriados, e volta e meia derrubava o pequeno cão no chão. Woody tratou de se defender, e daí por diante era bastante comum encontrar as marcas de seus dentes nos braços e mãos do menino.

A solução foi colocá-lo, o menino, para adestramento em uma academia de judô, onde ele ganhou a alcunha de "pé de alface", por ser o mais jovem lutador do lugar. O adestramento deu mais que certo, e o menino seguiu até os 16 anos no judô, chegando à faixa marrom, só parando por conta dos estudos que lhe exigiram mais tempo.

Com a academia, o garoto passou a desferir golpes de judô no seu irmão canino ainda por algum tempo, e este continuou a lhe desferir dentadas e rugidos, além de lhe roubar os pães do café da manhã.

Parecia uma tarefa fácil e divertida. O menino saia da mesa com sua bisnaguinha com queijo derretido na mão esquerda, já que era canhoto, e Woody acompanhava o movimento de sua mão para frente e para trás com a cabeça, enquanto andava ao seu lado. Na menor distração o pão passava diretamente para a boca do cão. Logo que cresceu Woody passou a roubar o pão do garoto diretamente na mesa, era olhar para o lado e lá tinha ido embora a refeição...

Sim, com tantos pães roubados o cão cresceu forte e robusto, tornou-se um Schnauzer miniatura maior que a média, e volta e meia derrubava as meninas em seus passeios pelas quadras de Brasília. Woody era agora um cão valente, e se bem que tinha muitos outros amigos cães na quadra, com os quais corria, rolava e brincava em seus passeios, também era capaz de enfrentar qualquer cão ameaçador, não importa quantas vezes maior que ele próprio.

Woody era um alerta cão de guarda. No apartamento, ao menor som estranho vindo além da porta da entrada, ele latia alto e ameaçadoramente. Mas em casa com a família e nossos amigos (exceto eventualmente com o menino) ele era dócil e amistoso. Devo dizer que era também muito ciumento e que nunca foi dado a arroubos melosos de lambidas.

Era também muito inteligente, compreendia tudo o que se falava e que acontecia na casa, mas como acontece com a maioria dos cães desta raça (senão todos), Woody nunca aprendeu a andar de coleira. Impetuoso e independente nós é que éramos arrastados a seu bel prazer em zigue-zágue no seu afã de marcar território por sobre a urina de todos os outros cães da quadra!

Mas feliz mesmo nosso cão ficava ao visitar o terreno de nossa futura morada! Naquele momento o condomínio não estava pronto, e o que havia era um imenso gramado de vinte mil metros quadrados, onde grandes árvores se espalhavam cautelosamente.

Woody reconheceu aquele território como seu e pronto! Corria e rolava, até que seu pelo ficasse absolutamente emaranhado com os picões, e nós desesperados ante a impiedosa tarefa de limpá-lo. Mas como impedi-lo de extravasar sua alegria? Paciência, já no carro fazíamos um esforço conjunto de livrá-lo dos grudentos picões.

Na primeira semana de janeiro de 2000 começamos a obra da casa, e Woody, já com um ano de idade, revelou-se quase sádico com os pobres operários. Eu deveria ter filmado as cenas, mas naquela época os celulares ainda não tinham filmadora. O cão chegava de mansinho por trás, posicionava a cabeça junto ao calcanhar do infeliz, e então latia o mais alto e forte que podia. O sujeito dava um pinote e ficava lívido de susto, e se pudesse rir, sei que Woody daria gargalhadas de sua façanha!

Mas logo os operários teriam sua vingança, pois a contragosto o cachorro era obrigado a tomar banho por ali mesmo, para tirar não só os picões, mas limpar a lama e o cimento que lhe grudavam no pelo.

Foi a obra mais rápida da qual tenho conhecimento, em cinco meses ficou pronta, e no sexto a casa recebeu a pintura e plantou-se o jardim. No início de julho do mesmo ano nos mudamos para lá, ao mesmo tempo que as instalações do condomínio ficaram prontas e o portão foi colocado. Woody tornou-se o dono do pedaço, por um ano moramos sozinhos, sem vizinhos, no espaçoso condomínio.

Ele era agora nosso valente segurança, e não permitia que os pássaros pousassem no terreno, caçava os lagartos (e de vez em quando o víamos passar com um rabo verde pendurado na boca...), corria e latia sob os aviões que ousassem infringir nosso espaço aéreo, e é claro, latia assustadoramente ao portão diante de qualquer intruso, principalmente se tratando de motos e caminhões...

No entanto Woody era muito amistoso com todos os nossos amigos, ele adorava festinhas, e, do seu jeito, falava com todas as pessoas, e depois sentava-se ao lado para participar das conversas. Ele só não gostava de festa na piscina, ficava desesperado, acho que tinha medo que alguém se afogasse...

(fotos: Woody no banho com as meninas e a vizinha; a ferinha em seu uniforme de judô; a menina mais velha com Woody no apartamento; Woody e as três crianças na nova casa)

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