Há algum tempo eu penso em escrever as memórias de nosso cãozinho, mas fui adiando, tomada por outros compromissos. Mas ainda é tempo, tempo de lembrar de muitas histórias, tempo de lhe fazer esta singela homenagem.
E foi de forma dramática que tudo ocorreu, tudo o que me fez sentar aqui e recontar: dois imensos cães jovens; uma moça desesperada; uma cirurgia de emergência; dias de intensa expectativa, entre a vida e a morte.
Mas esta é uma outra história, talvez seja melhor iniciar por onde tudo começou.

sábado, 10 de maio de 2014

Um começo


Qual criança não quer ter um bichinho de estimação? Eu mesma sempre adorei bichos e toda a natureza, e não foi diferente com meus filhos. Mas era muito trabalho cuidar de três crianças pequenas, e o projeto bicho doméstico foi sendo adiado. Enquanto isso eles criaram pintinhos, peixinhos (como morrem fácil meu Deus!) e até um caramujo chamado Rodolfo.

Então vieram as tartarugas de aquário, Tatá e Tutu. Elas cresceram rapidamente, nos obrigando a trocar o aquário de vidro por recipientes cada vez maiores...

Foi quando chegamos a um novo projeto de vida. Depois de ver enterrados numa obra inacabada o investimento num prédio da Encol, meu marido falou: agora só moro em casa! Uma procura de um ano e meio e encontramos o terreno certo, em meio a um grande gramado arborizado no Park Way. Fechamos o negócio em dois dias.

E já não havia mais desculpa para não termos um cãozinho, íamos ter uma casa afinal! A ocasião perfeita foi o Natal de 99. Fomos para o Rio de Janeiro de carro, chegamos na véspera da festa, deixamos as crianças com os avós em Jacarépaguá, e fomos para casa do meu sogro no subúrbio.

Ansiosos, pegamos o jornal disponível e fomos direto para os anúncios de cães a venda. E nada, ou quase nada, apenas um, falava de filhotes de Schnauzer em Honório Gurgel. Eu queria um Terrier Pelo Duro, mas Schnauzers são da mesma família, e sem outra opção partimos para lá.

__ É aqui mesmo! Vamos entrando, vocês estão em casa! __ quase berrou a senhora de meia-idade que nos recebeu no portão da casa no pé do morro de uma favela suburbana. E aí gritou para o filho: pega lá aqueles que sobraram, que chegou gente interessada em ver.

O rapaz subiu a escada que levava a uma lage sobre a casa, de onde vinham os latidos de muitos cães, e o terrível cheiro de fezes e urina dos animais.

A esta altura do campeonato já não tinha como fugir, embora minhas pernas desejassem correr dali. Fiquei aflita com a barulheira e o fedor que vinha lá de cima, e que obrigava a mulher a gritar cada vez mais alto. De vez em quando ela gritava a toda voz: SILÊNCIO!!! lá para cima, como se os animais fossem obedecer.

O rapaz voltou com dois filhotes nas mãos, já com dois meses e meio de idade. Sujos, encardidos e fedidos. Uma fêmea pequena, e um macho maior.

__ Ah mãe, acho que vou ficar com esta daqui. Olha como é esperta!

E realmente, a mocinha mostrava vivacidade e atenção, enquanto que o macho era devagar e moleirão. Mas havíamos combinado que escolheríamos um macho, e teria que ser aquele.

Eram os últimos filhotes dos dezesseis nascidos naquela temporada. Os genitores eram quatro machos e quatro fêmeas, foram doados por um criador para aquela família, que aumentava seus recursos (se é que tinham algum outro) com a venda dos filhotes. Os nomes eram todos russos, tipo Natasha, Bóris, Vlad, etc., anotados em um monte de registros de pedigree que a mulher veio nos mostrar.

Os cães também vieram, trazidos um a um pelo rapaz. Eram bonitos, mansos, meio gordinhos e assustados, mas estavam com boa aparência e o pelo cortado. Todos sal e pimenta, todos de tamanho um pouco maior que os cães desta raça que eu costumava ver nas quadras de Brasília.

__ Os filhotes ainda não foram registrados, por isso o preço é melhor. Mas o senhor pode registrar!

Era pegar ou largar. Dia de Natal, um cachorrinho encardido e meio bobão, crianças a serem surpreendidas, meu coração aflito e minha vontade de correr fora dali.

__ Só tenho cheque __ falou meu marido.

__ Ah não, não aceito cheque! Sabe que até meu filho já passou cheque sem fundo?

__ Oh mãe, que isso? Isso lá é coisa que se fale? O que eles vão pensar da gente?

__ Então a senhora vai ter que esperar eu pegar dinheiro no caixa eletrônico __ tornou a falar o pai das crianças que não sabiam que estavam prestes a ganhar um cãozinho.

E saímos em busca de um caixa eletrônico de banco. E eu já nem sabia se queria ou não o bichinho. __ Será que é mesmo de raça? O pelo dele é meio avermelhado, ou será só sujeira?

Mas meu marido estava resoluto, voltamos lá com o dinheiro e saímos com o cãozinho tímido e fedido no meu colo.

__ Que nome vamos dar a ele? Lucky, afinal creio que ele é um sortudo de sair daquele lugar! __ e vieram outros nomes à nossa mente.

Na casa do meu sogro dei-lhe um banho caprichado, e o bichinho ficou com o pelo todo arrepiado. Arrumamos um caixa de papelão e uma fita vermelha (foi o melhor que consegui para um presente de Natal improvisado).

Chegamos em Jacarépaguá, com a caixa balançando e gemendo nos meus braços. As meninas entenderam tudo e com lágrimas nos olhos de pura felicidade, tiraram seu presente da caixa e o encheram de beijos e afagos. Acho que nunca as vi tão felizes assim...

Woody. O fiel amigo do Buzz Lightyear. O filme Toy Story era o sucesso de então, e as crianças escolheram este nome. A menina mais velha tinha dez anos, a do meio oito, e o menino três. Naquele momento elas estavam mais prontas para um cachorrinho; o menino só queria lutar, não sabia ainda, mas havia encontrado seu parceiro.

Nosso fiel amiguinho se revelou bem tímido a princípio. Não ouvimos um latido seu, até que completasse quatro meses. Mas bem antes disso, assim que chegamos em Brasília, ele se sentiu perfeitamente bem, estava em casa, e a família agora parecia completa!

(foto: Três crianças e Woody no Natal de 1999, em Jacarépaguá)

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