Há algum tempo eu penso em escrever as memórias de nosso cãozinho, mas fui adiando, tomada por outros compromissos. Mas ainda é tempo, tempo de lembrar de muitas histórias, tempo de lhe fazer esta singela homenagem.
E foi de forma dramática que tudo ocorreu, tudo o que me fez sentar aqui e recontar: dois imensos cães jovens; uma moça desesperada; uma cirurgia de emergência; dias de intensa expectativa, entre a vida e a morte.
Mas esta é uma outra história, talvez seja melhor iniciar por onde tudo começou.

sábado, 10 de maio de 2014

Uma semana difícil para todos nós


Chegamos na terça-feira pela manhã. E nesta mesma manhã fui, com meu vizinho e minha filha, ver Woody no hospital veterinário. Em um colchão em um berço de metal, com soro e sonda, limpo, nós o encontramos. Levantou a cabeça, visivelmente nos reconheceu, ganhou beijos e carinhos. A cicatriz da cirurgia estava limpa, não havia inchaço. Embora debilitado, eu pude crer que ele voltaria para casa!

Ele havia perdido alguns dentes na luta, mas havia se livrado de um tumor no fígado do tamanho de uma laranja, quem sabe se livre do tumor que lhe consumia aos poucos ele não teria uma sobrevida maior? A expectativa era de mais dois ou três dias na "UTI" canina. A menina do meio não parava de chorar, e ralhei com ela, pois não era mais momento de se desesperar...

Quanto aos meus vizinhos, eles realmente deram todo apoio possível, tanto ao Woody, quanto à minha filha. E tanto eles, como nós, merecíamos que esta história tivesse um final feliz!

Retornei à tarde com minha filha, mas Woody já se apresentava visivelmente mais cansado do que pela manhã. Talvez pela retirada da analgesia do soro, talvez pelo esforço da manhã, ponderei. E a menina chorando...

Ao chegar em casa acendi uma vela para ele na sala, perto de seu cantinho de dormir. Coloquei sua foto ao lado, rezei. Às vezes é tudo o que se pode fazer.

Nos dias seguintes tornei a ficar com ele pela manhã e à tarde. Ficava em torno de uma hora, dava-lhe água e papinha na seringa. Decidi não levar mais a garota, mandei-a ir ao trabalho, à faculdade, mas ela desmaiava, não dava conta e voltava para casa. Eram momento difíceis para todos nós. Woody já não levantava a cabeça, não mais se mexia, não apresentava melhoras significativas.

Seu olhar ainda vivo, uma luta incessante entre a vida e a morte, embora seus sinais vitais estivessem normais. A cada dia eu me afligia, ele emagrecia e a cada dia ficava mais distante a possibilidade de seu retorno ao lar.

A filha em Nova Iorque acompanhava nossos boletins diários sobre seu estado, também em estado de alerta, também se emocionando. O filho mais novo ainda não sabia de nada, estava fazendo provas, como bombardeá-lo com estas notícias?

Todos no hospital já acompanhavam seu caso, desde as recepcionistas. Conversávamos com os  médicos de plantão, tínhamos todos esperança. Na quinta e sexta-feira ele apresentou discreta melhora. Combinamos com o médico que o levaríamos para casa no sábado à tarde. Ele receberia ainda mais uma transfusão, para melhorar seu estado geral. Embora ele estivesse muito debilitado e necessitasse de cuidados intensivos, asseguramos que poderíamos lhe dar este suporte.

Livre do soro e em casa ele poderia receber carinho e todos os cuidados necessários para se recuperar. Eu sabia que seria uma grande tarefa, e tinha certeza que daríamos conta do recado. Mais tarde, se fosse necessário a fisioterapia, chamaríamos Lívia e ela nos ajudaria.

No sábado, antes de ir pegá-lo montei uma "enfermaria" na sala. Coloquei o tatame junto da janela da sala, para que ele pudesse receber o sol e a brisa. Em cima sua cama, jornais, seus amigos de pelúcia, exceto a arraia, que eu havia levado ao hospital, para que ele pudesse usá-la de travesseiro.

Partimos animados, com uma manta para trazê-lo. Mas o universo não planejou da mesma forma. Embora ele tivesse recebido bem a transfusão e se apresentasse melhor à noite, ele piorou durante o dia, e começava a perder a consciência. Não dá para descrever o que vimos, o abismo que sentimos. Foi combinado que uma sonda seria passada para sua alimentação, mas naquele momento eu desejei que ele partisse, sabia que estávamos em um caminho sem volta, e não dava mais para vê-lo sofrer.

Corajosamente a filha do meio despediu-se dele. Voltamos silenciosos para casa. Ao chegar, eu apaguei a vela que esteve acesa por toda aquela dolorosa semana, e rezei para Kwan Yin. Pedi que ele, em seu processo evolutivo desconhecido para mim, fosse muito, muito abençoado em sua nova vida, do jeito que fosse, na forma que fosse. Em algum momento eu o vi no colo deste ser amoroso de luz, e soube que ela o levaria.

Logo depois o telefone tocou. Do hospital veterinário a médica me deu a notícia de que o coração de Woody parou. Eu senti alívio, senti-me também abençoada, e meu pedido atendido. Minha filha e meu marido entenderam. Havia tristeza e mais uma vez o choro da garota. Então eu senti o cheiro de Woody na sala.

De onde vinha? Eu me perguntava, andava tentando perceber de onde partia seu cheiro, como quando não tomava banho numa semana e podíamos sentir de fato seu cheiro a alguma distância. Não vinha de lugar algum, estava espalhado, pela escada, pela sala, pelo hall da casa. E dali à pouco não estava mais, partiu da mesma forma misteriosa que chegou...

(Foto: Woody e sua amiga arraia, que o acompanhou em seus últimos dias).

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